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Exausto, Felipão era quem segurava o rojão, dá adeus ao Cruzeiro e ao fantasma dos 7X1

O problema é que nem mesmo alguém do tamanho de Felipão foi capaz de resistir ao modo de operar que parece tão indissociável ao futebol.

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20/05/2015 às 07h15

Cansado, Felipão dá adeus ao Cruzeiro e ao fantasma dos 7X1 (Foto: Richard Ducker)

Menos de um ano após viver seu maior inferno depois de a seleção brasileira ser moída pela Alemanha, eis que numa ensolarada terça-feira Luiz Felipe Scolari amanhece despedindo-se do Grêmio. Se decidiu sair ou se foi demitido é coisa que talvez jamais tenhamos certeza. Mas as circunstâncias agora são diametralmente opostas, e arrisco dizer que em um futuro talvez não tão distante a saudade do Felipão Way of Life pode bater forte no Humaitá.

Contratado pelo histórico parceiro de conquistas Fábio Koff, Felipão chegou ao Grêmio pouco depois da Copa do Mundo para uma relação que prometia ser promissora para ambos: na época, apenas um clube no mundo poderia oferecer o ACONCHEGO necessário para Scolari lamber as feridas, curar-se da Febre da Bavária e dar a volta por cima. Este clube era o Grêmio, igualmente necessitado de renascimento, de esperança, de títulos, enfim.

Mesmo com Felipão, o Grêmio fracassou novamente, ainda que uma trepidante goleada em Gre-Nal tenha feito a torcida remoer-se em deleite como há tempos não se via. Com Romildo Bolzan Júnior herdando a cadeira de Fábio Koff e prometendo colocar o Grêmio nos eixos em termos financeiros, em 2015 o papel de Felipão tornou-se ainda mais importante: apenas um profissional com sua ascendência seria capaz de conduzir o clube nesta vereda de vacas magras.

Pode parecer temerário afirmar isso exatamente hoje, mas o trabalho de Felipão até agora era bom no Grêmio, devido às circunstâncias vividas pelo clube. Pelo menos, era melhor do que se imaginava lá no começo do ano, quando tudo apontava para o caos. Com todas as dificuldades, Felipão chegou a uma estrutura de time e o levou até a final do Gauchão, onde mesmo com duas atuações irregulares esteve vivo até o apito final diante do Inter, em busca do gol que lhe daria o título.

O fraco começo no Brasileiro, com um empate e uma derrota, aliado ao discurso que evidenciava a fraqueza do grupo, desgastou Felipão junto à diretoria, que de alguma forma parecia se julgar refém do eterno mito gremista. Era o outro lado da moeda: Felipão havia sido escolhido justamente porque apenas ele seria capaz de segurar este rojão que há 15 anos parece incontrolável. No Grêmio, Felipão sempre será um escudo para qualquer direção, mas obviamente existe o risco de ofuscá-la e de abraçar responsabilidades externas ao campo. 

O problema é que nem mesmo alguém do tamanho de Felipão foi capaz de resistir ao modo de operar que parece tão indissociável ao futebol. As últimas diretorias do Grêmio gastaram fortunas com reforços lamentáveis e comprometeram a saúde do clube assinando com a OAS um contrato que sangra o fluxo de caixa da instituição. Na hora que a fervura levantou, no entanto, o primeiro a ser escaldado foi justamente Felipão, enquanto a diretoria de futebol continua impávida, numa espécie de absolvição de seus erros, que foram muitos.

Em sua terceira passagem, Felipão deixa o Grêmio após 54 jogos – 27 vitórias, 14 empates e 13 derrotas. Horas depois, já se dá como praticamente certo que o novo técnico será Cristóvão Borges. É um profissonal promissor, (como um dia também já foram Caio Júnior e Enderson Moreira, ambos de curta vida no Grêmio) mas a escolha do nome deixa evidente a total falta de critérios da diretoria, em todos os sentidos possíveis. E o principal problema é que, apesar da qualidade, hoje Cristóvão talvez não tenha envergadura e respaldo para aguentar o ambiente gremista e segurar no braço a condução de um time competitivo neste tempo de seca de títulos e ajuste financeiro. 

Neste sentido, parece ter faltado tato e discernimento neste momento conturbado: Luiz Felipe Scolari deveria ser visto mais como forte aliado em meio à turbulência do que como problema principal. Porque, enquanto o presidente estiver tentando reajustar as finanças do clube nos gabinetes, na beira do campo será necessário alguém vestido de armadura, sobre quem a torcida pensasse duas vezes antes de direcionar sua inconformidade. E a pessoa mais habilitada a fazer isso se despediu da Arena hoje pela manhã.
 
Definitivamente, não é o que aconteceu na Bombonera na noite de ontem, nem nada minimamente semelhante a isso. Parece óbvio, mas de tempos em tempos as obviedades precisam ser reafirmadas. Porque, após o escândalo ocorrido no estádio xeneize, voltou a tona o malabarismo lógico que argumentava contra os gases que compõem a atmosfera e resumidamente dizia mais ou menos o seguinte: “Esta é a Libertadores que vocês gostam”. 

Não é. Quem defende algo remotamente parecido com o que aconteceu na Bombonera, ou mesmo é conivente com isso, não apenas não entende a Libertadores que gostamos como desconhece do que é feito o futebol e também não tem a mínima noção do que é conviver em sociedade. 

Este argumento malicioso acaba tentando instituir um dilema que é falso e, por isso, desonesto. Defender e admirar a forma como se torce e se encara o futebol na América do Sul de maneira alguma pode ser vinculado a qualquer aceitação com a barbárie. Pelo contrário: não existe qualquer contradição em condenar sem restrições os episódios que aconteceram e antes disso ter se emocionado com a festa que precedeu o jogo – ou o espetáculo que a torcida do Atlético Nacional promoveu também ontem ou a enorme festa que o River Plate protagonizou na Sul-Americana do ano passado, entre outros incontáveis exemplos possíveis.

A Libertadores não pode ser analisada sem considerarmos os aspectos sociais, econômicos e geopolíticos que a circundam. É evidente que a CONMEBOL parece fazer força para depreciar cada vez mais seu principal torneio, mas mesmo que a competição fosse um exemplo de organização e captação de recursos, não chegaria perto da Champions League – e não há problema nisso. Pelo mesmo motivo de que qualquer dos doze clubes grandes do Brasil, mesmo que sendo um CASE de administração, não poderia competir em termos de pujança financeira com o Real Madrid – e nem precisa competir. São realidades diferentes, possibilidades diferentes. Se de hoje em diante tudo for feito de maneira correta na Libertadores, ainda teremos jogos em estádios modestos e ainda teremos times pobres disputando e ainda teremos torcedores pobres torcendo.

O discurso maldoso de “Esta é a Libertadores que vocês gostam” cada vez que algo lamentável ocorre na competição muitas vezes carrega no reboque uma outra discussão, hoje muito em voga na América do Sul, referente à elitização do futebol e dos estádios, procurando atrelar a forma como historicamente se vive o futebol no continente à selvageria que muitas vezes explode. Assim, se procura expandir a brecha por onde são impostas medidas que de civilizatórias nada têm: a imposição de uma forma PASTEURIZADA de se comportar no estádio, de “consumir” o clube e o jogo, um novo jeito com o qual deveríamos encarar o futebol. Como se jogar um rolo de papel higiênico no campo fosse a mesma coisa que brigar aos sarrafaços na arquibancada. Mas defender um estádio mais democrático, a chuva de papel picado e o clarão dos sinalizadores não tem qualquer vínculo com a apologia ou mesmo conivência com a violência. Não tem vínculo hoje e nunca teve. É óbvio, mas me perdoem: de tempos em tempos precisamos repetir as obviedades.
 
GE

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